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Márcio Roberto Goes

O menino e o violão branco

01/03/2024

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Um menino de onze anos pulava de alegria pelas ruas da cidade, beijava e abraçava um violão envolvido por um plástico recém-saído da loja. Presente de sua mãe que ria ao ver tal cena no meio da rua... “Obrigado, mãe!”... Dizia ele alegre como ninguém ao receber o instrumento que o acompanharia durante toda a vida dali pra frente nos momentos de folga e na Igreja... Por semanas, o assunto foi pauta nas rodas de chimarrão da vizinhança.



Aquele menino se contentava com tão puco... Não queria videogame, computador, tênis de marca, ou celular... Aliás, na década de oitenta, nem passava por sua cabeça a tal telefonia móvel, ou Internet... Só queria um violão, seu primeiro... Só queria aprender tocar e cantar. Nada mais...



Durante um ano, frequentou aulas de violão todas as quintas-feiras e, um dia, mostrou para sua mãe a primeira canção tocada pelo filho mais novo da dona Áurea. A Canção para meu Deus:



“O orvalho da manhã criança

Me fala de meu Deus

O cantar da brisa mansa

Me fala de meu Deus.

A rola que turturina,

Me fala de meu Deus.

Minha vida uma canção ensina

A canção que eu fiz para meu Deus:

OoOoOoOo...



A dor do meu irmão que chora

Me fala de meu Deus.

A alegria que hoje eu vi lá fora

Me fala de meu Deus

A esperança que aqui dentro vai

Me fala de meu Deus

e bem dentro de minha alma sai

A canção que eu fiz para meu Deus:

OoOoOoOo...”

(Padre Zezinho SCJ)



O menino cresceu abraçado ao seu violão cor de madeira. O restaurou por duas vezes, na última, pintou de branco. Gostou desta cor. Depois teve um violão vermelho com detalhes que lembravam uma guitarra acústica, outro branco, um preto e mais um branco, este com captação ativa e afinador eletrônico, o que lhe dava maior conforto ao tocar em locais que exigiam amplificação... Porém, seu primeiro violão continuou guardado e zelado com todo cuidado, pois se tratava de uma relíquia que lembrava sua mãe, agora vivendo na verdadeira Pátria: a Espiritual...



Ficou conhecido nas Igrejas e nos eventos por carregar consigo um violão branco, único para ele e raro de se ver por aí... Com ele cantou na rádio e, por duas vezes, no festival da canção, animava as aulas de Língua Portuguesa e Literatura e de Espanhol. Seu violão branco era o companheiro para todas as horas...



Um dia, roubaram seu violão… O menino crescido então chorou. O choro doído das injustiças da vida e, mesmo assim, foi condenado pelas pessoas ao seu redor por deixar o violão no banco de trás do carro, por deixar o carro sem acionar o alarme na rua, por não cuidar das coisas, por isso, por aquilo... Mas... E o ladrão, ninguém condena? O crime foi cometido por ele. Será que furtar não é mais grave do que o restante da situação?... A vítima foi condenada por ser roubada... É o mesmo que culpar o defunto pelo próprio assassinato...



Depois da poeira baixar, a sensatez nos mostra que é melhor perder os anéis do que os dedos... O menino então ergueu a cabeça, agradeceu a Deus pelo dom da vida, beijou seu velho violão que há tempos não usava, afinou-o e cantou novamente a “Canção para meu Deus”... Chorou de novo e seus olhos inchados viram, por um momento, sua mãe sentada a beira do fogão a lenha com a cuia de chimarrão na mão sorrindo e inclinando a cabeça para ouvir melhor seu filho derradeiro cantando para ela...



Márcio Roberto Goes

Professor, escritor, locutor

e tocador de violão branco..
.



 



 



 

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