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Castro Alves usufrui de grande reputação pela sua obra poética, afinada com o Condoreirismo. Seu brilho foi de tal maneira intenso que se exauriu precocemente, com óbito verificado sobremaneira cedo. Destarte, sua obra poética se constitui das primícias, não logrando sazonar.
Sem dubiedade, os traços da imaturidade se fazem presentes, mormente os excessos retóricos tão comuns na sua escola literária, bem como os arroubos inerentes ao Romantismo. Contudo, só o mérito literário não constitui a reputação de um poeta, porquanto a generosidade e coragem de sua alma, engajando-se na libertação dos escravos de tal modo sensibilizaram a alma brasileira que seu nome ficou esculpido nela.
Destarte, poucos brasileiros não guardam no inconsciente os versos grandíloquos de sua obra-prima o “Navio Negreiro”, a mais conhecida de suas produções. Aliás, esta obra o insere entre os predecessores da literatura engajada, tão debatida no limear e meados do século XX.
Na centúria em que viveu Castro Alves ocupava o espaço destinado aos grandes ídolos – jovem, poeta, justo, lutando por causas nobres. O seu óbito precoce encerra a peça com chave de ouro. Quem logra imaginar um grande herói provecto? Se seu talento não sazonou para gerar os frutos que poderia se constitui em questão secundária.
O “Navio Negreiro” contribuiu sobremodo para abolição da escravatura, eliminando esta jaça do seio da nação brasileira. Sua eloqüência chicoteou quem os escravos chicoteavam. E a poesia permanece, enquanto os atos de opressão caminham para o entulho da História.
O poema “Navio Negreiro” se dividem em seus partes, por sua vez subdividos em estrofes. Na Parte V, de 9 (nove estrofes), o autor enfoca as vítimas do mal profligrado, os escravos, filhas e filhos da África. Na 4ª estrofe da V Parte, aborda as mulheres e seus dramas peculiares de mães de escravos, vivendo conjuntura horripilante:
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
O uso das metáforas e reminiscências religiosas projetam luz sobre o drama; ou seja, relembra Agar, a primeira mulher do Profeta Abraão (que a paz e a benção de Allah estejam sobre ele), que, com o filho Ismael, percorreu o deserto e adversou as vicissitudes inerentes a este ecossistema – a escassez de água e alimentação, a par da inclemência solar.
O auge da estrofe, do ponto de visa estético, reside na magnífica e eloqüente figura de linguagem “(...) que nem o leite de pranto (...)”, dotada de imensurável dramaticidade para descrever a escassez e carência das vítimas da escravidão, mormente no transporte da África à América, transpondo o oceano Atlântico nas condições descritas pelo poema como um todo.
Quiçá a maior virtude da estrofe consista em revestir de poesia o horror. E, sem dúvida, influenciou muitas pessoas na propensão ao abolicionismo da escravatura.
Por fim, se as Escrituras Sagradas relatam a epopéia de Agar e seu filho, o Profeta Ismael (que a paz e a benção de Allah estejam sobre ele), Castro Alves e o “Navio Negreiro” descreverem a tragédia das filhos e filhos da África na jornada rumo à América. Só isto basta para fazer insignificantes os excessos retóricos do autor, perante a grandeza e humanismo de sua obra poética.